15 de Fevereiro de 2012

Amor paterno.
MI PEQUEÑO
Olivier Schrauwen
Normal Editorial, 2009
55 págs., tetracromia


São sempre marcadas pela surpresa as minhas visitas a alguns portais de banda desenhada espanhóis. A surpresa advém da diversidade e qualidade das coisas que lá encontro.  É que os "nuestros hermanos" cultivam um mercado editorial de bd que não acusa a sua proximidade geográfica à nossa "mercearia de bd".
Há dois anos recebi como prenda de aniversário um volume massudo do Little Nemo, de Winsor McCay, uma obra-prima do início do século XX, nos primórdios da arte, que primava pela sua estética deslumbrante e o seu assunto surrealista. Confesso que mal toquei no tomo, não por falta de interesse mas pelo medo de o estragar, até hoje mantém o plástico que o envolve, de vez em quando tiro-o religiosamente e faço os possíveis para não danificá-lo com um olhar demasiado abrasivo.
Embora aparentemente sem ligação, os parágrafos anteriores têm em comum este "Mi Pequeño". Passo a explicar.
Olivier Schrauwen é belga, não como as bolachas mas como os nativos da Bélgica, mas em vez de recorrer ao longo e nuclear património da bd belga (não é à toa que usamos o termo franco-belga para falar de  um tipo de bd), decidiu atravessar o oceano para encontrar a sua inspiração para este livro. Winsor McCay, Richard F. Outcalt e George MacManus são os nomes citados na nota biográfica do autor e, para além de serem alguns dos grandes pioneiros da bd americana, parecem também ter possuído Schrauwen, notoriamente, pelo aspecto e estrutura desta bd.
A esta "pureza" de estilo gráfico contrasta-se o seu conteúdo, esse sim, de Schrauwen, que chega ao ponto de ser macabro, com mortes inúmeras e violência gratuita. A intercalar (aqui exagero) o mórbido, a história de um pai e um filho e da sua relação através de aventuras episódicas que mimetizam na perfeição os velhos mestres: no traço, nas cores esbatidas, na ausência de calhas e até nos balões rectangulares. Há pequenos pormenores como o capítulo inaugural, referência a uma era anterior da bd e como, entre cada capítulo, as ilustrações esquemáticas que parecem pertencer a manuais ou revistas científicas dos anos cinquenta.
E o humor, de um absurdismo hilário a um sadismo delicioso que faz rir à gargalhada. A caricatura de criança que é o filho, imutável desde o nascimento e que leva ao desespero do seu pai no último episódio quando começa a crescer e envelhecer sem freio. 
A narrativa atinge o seu clímax na ida ao jardim zoológico, Schrauwen aumenta a parada e continua até à genialidade, surpreendendo com a sua capacidade para ligar vinhetas e personagens, literalmente neste último caso.
É igualmente curioso que consiga notar semelhanças físicas entre o bebé e Jimmy Corrigan, personagem de Chris Ware - que mais que autor é um estudioso da bd -, será partilha de herança memética?
Em suma, uma bem conseguida e bem-humorada homenagem a um passado que poucos, mas em número crescente, vêm a recordar com saudade.

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