16 de Fevereiro de 2012

A tradição espanhola de estar acima da realidade.
BARDIN THE SUPERREALIST
Max
Fantagraphics Books, 2006
82 págs., tetracromia


Buñuel, Dali e Capdevila. Se os dois primeiros nomes são reconhecidos como pertencentes a dois mestres do surrealismo, este último nem por isso. Francesc Capdevila é já um dos veteranos da bd espanhola, tendo uma longa carreira iniciada nos anos setenta sob a forte influência, como não poderia deixar de ser, do mítico deus do underground americano R. Crumb. Com o tempo o seu estilo foi mudando e a marca do  atoomstijl (vertente da ligne claire de Hergé), cujo expoente máximo, Yves Chaland, é assumido pelo autor catalão estar ao nível de Crumb como fonte de inspiração,  alterou completamente o aspecto dos seus trabalhos. Bardín existe dentro deste novo universo visual de Capdevila e é uma personagem à qual o cartoonista regressa, ao ponto de coligir um livro de 80 páginas sobre as aventuras filosóficas do amante de conhaque. 
Já agora, Capdevila é mais conhecido no mundo bedéfilo pelo pseudónimo Max e é responsável pela mascote do Barcelona (a equipa de futebol) e algumas capas da revista New Yorker, afirmando-se como grande ilustrador e designer - recomendo o livro Espiasueños, editado pelas Ediciones La Cúpula em 2003, onde se encontra coleccionada grande parte do seu espólio artístico até essa data.
O livro começa com uma passagem de testemunho, o cão andaluz, protagonista deserdado do filme de Buñuel, apercebendo-se da sua morte iminente, escolhe Bardín como herdeiro dos poderes surrealistas que roubou aos que o injustiçaram (Buñuel e Dali). É com esta nova perspectiva sobre a vida que Bardín reinterpreta os mistérios do quotidiano e desafia os desígnios divinos.
São 80 páginas de dissertação ora filosófica ora humorística, com recurso a referências e princípios surrealistas e de diversidade estilística, se numa instância podemos ter uma sequência com mais texto que a bd típica, noutro temos uma sem uma palavra que seja. É com esta versatilidade que Max mostra o seu domínio sobre a arte, o desenho é, como já disse, pertencente à linha clara, muito simples e, perdoem a redundância, claro, fácil de apreender e de compreender.
Há também variedade temática, abordando-se os múltiplos temas que reflectem a existência humana: racionalidade, solidão, o constructo da realidade, liberdade, religião, amor,  a morte; Max chega a ser referido numa das histórias, foco da ambiguidade emocional de Bardín.
Há uns quantos momentos que brilham ao longo de todo o "texto gráfico" e, seguidamente, enumero alguns que gostei particularmente: o discurso anti-institucional e promotor da banda desenhada; o representante do humor do episódio "Enlightment"; a referência ao 31 de março e a barbárie destrutiva e vingativa pelo mundo dos sonhos até contra o próprio Bardín.
Francesc Capdevila é actualmente um dos mais interessantes e completos autores de bd e Bardín é a conjunção das suas várias influências que coalesceram num produto único e com estilo próprio.

Sem comentários:

Enviar um comentário