14 de Agosto de 2015

"When you look under the surface of things, 
what do you see?"
THE SURFACE #1
Ales Kot & Langdon Foss
Image Comics, 2015
24 págs., tetracromia, floppy

Ales Kot é um daqueles escritores que se infiltra numa estrutura, modificando-a e corrompendo-a, fazendo dela vítima de uma perspectiva única.
O exemplo mais flagrante (digo, com mais visibilidade) do trabalho de Kot é "Secret Avengers", um entre outros títulos adjectivados dos Vingadores. Nos quinze números que escreveu, Kot subverteu convenções, introduziu personagens verdadeiramente originais (como, por exemplo, uma bomba com consciência de si e do mundo, apreciadora de gelados) e manipulou de forma surpreendente as expectativas do leitor, conciliando-as com as características mais populares de personagens bem estabelecidas (refiro-me directamente à introdução de Deadpool na narrativa).
Contudo, se queremos conhecer um autor, o mais aconselhado seria começar pelo seu trabalho independente, sem limitações editoriais à mistura. Kot já tem uns poucos de trabalhos "seus" debaixo do braço, os mais notáveis "Change" e "Zero", ambos publicados pela editora Image Comics.
"The Surface" vem na sequência desses trabalhos, especificamente de "Change", sendo quase uma sequela não oficial (segundo o que é descrito neste número), e pertence também ao mesmo ramo genealógico do trabalho de Warren Ellis em "Transmetropolitan" (com direito a "referência obrigatória" no texto) e de "The Invisibles" de Grant Morrison. Afirmo-o muito pela forma como está estruturado este primeiro número, onde se misturam segmentos de entrevista ao autor com comentários à obra presente e às anteriores; reportagens sobre o mundo corrente da história - pequenos fragmentos que se complementam e acrescentam profundidade ao texto principal.
Para além destes momentos meta-literários, a afinidade anunciada aos autores anteriores também se vê no quão difícil a leitura pode ser, a certa altura, o leitor tem de gerir três "vozes" diferentes, com informação paralela e interligada, o que faz com que a leitura tenha que efectivamente parar a determinada vinheta.
A história é "simples", o mundo não é mais que uma construção holográfica e um grupo de 3 hackers decidiu ir à procura do ponto de acesso de um nível superior de realidade ao qual chamam "a superfície". Seja esta a superfície das páginas do comic em si (e aqui entramos em território Morrisoniano), seja uma referência mais Burroughsiana, deixo ao critério de cada um.
A arte de Langdon Foss é sólida (uma espécie de Geof Darrow sem o pormenor excessivo) e as cores de Jordie Bellaire suplementam-na perfeitamente, da mesma forma como nos tem habituado em quase todos os projectos em que tem trabalhado (a sério, esta mulher é uma heroína, o seu nome é praticamente sinónimo de qualidade).
A verdade é que "The Surface" é uma leitura desafiante e confusa, não nos é entregue de bandeja a intenção da narrativa e temos de confiar na palavra do próprio autor que nos assegura que tudo fará sentido eventualmente. Talvez. 
Trata-se de um projecto ambicioso que me faz querer ler o próximo número (aliás, optei por fazer subscrição à mini-série completa, afinal são só mais 3 números) e ter a esperança de que não me irá desiludir. Talvez.

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