16 de Dezembro de 2012

"eeeee!"
TEMPORAMA
Clayton Junior
Nobrow Press, 2010
24 págs., tetracromia

De vez em quando abro um livro e, antes de o comprar ou ler, cheiro-o. Temporama cheira a Akira, de Katsuhiro Otomo, a edição da Meribérica tinha um cheiro peculiar a lápis de cera que teria a ver com o seu processo de impressão.
Temporama é uma bd de Clayton Junior, um ilustrador brasileiro sediado no Reino Unido, a sua primeira incursão numa narrativa mais longa e pertence à colecção 17x23 da editora britânica Nobrow Press.
Caracterizada por um traço simples e cores vivas, Temporama é uma história pouco subtil sobre a influência da tecnologia na nossa vida quotidiana.
O protagonista é um homem de meia idade, calvo e com óculos, que vive com o seu gato num apartamento cujos elementos centrais são um modelo em miniatura de uma cidade e um frigorífico vazio. Trata-se de um sujeito  passivo que, conforme se vê ao longo da história, se deixado ao seu intuito, entrega-se à inércia. Durante a história vê-se forçado à acção, sempre influenciado por forças externas, quer estas representem a Natureza ou a Tecnologia - as duas forças contrárias da narrativa - e é incumbido de libertar uma multidão (a que está representada na capa) da ilusão da aparência e de ter, literalmente, os pés atados pela tecnologia.
A revelação final, estilo fim de episódio da Quinta Dimensão (em inglês e para os puristas, The Twilight Zone), provoca no "herói" uma reacção que nos remete para o início da história e que sugere o fechar de um ciclo. A natureza cíclica era já prenunciada na ilustração inaugural da bd,  onde se vê o protagonista a correr dentro de uma roda para hamsters.
Em relação ao aspecto visual, o desenho e storytelling são bons e permitem uma acção fluída que, aparte as cores garridas que por vezes dificultam uma leitura mais clara, é fácil de seguir.
Portanto, apesar de algumas falhas evidentes, Temporama tem momentos fortes que justificam uma leitura mais atenta.

5 de Dezembro de 2012

"But first, mate with me human."
PROPHET VOL. 1 - REMISSION
Brandon Graham et al.
Image Comics, 2012
136 págs., tetracromia

Este volume colecciona os números 21 a 26 do recém reeditado Prophet. Uma continuação sem o ser, neste Prophet há uma distanciação nítida da estética da Image Comics dos anos 90, e, mais que isso, uma ruptura completa com os temas recorrentes do super-heroísmo. Agora é uma banda desenhada de ficção científica reminiscente de clássicos como Dune, sem a sua estrutura densa e pormenorizada, mais próxima das suas congéneres europeias em termos de enredo.
John Prophet é despertado de um longo período de hibernação para encontrar um planeta Terra muito diferente daquele que conhecia, povoado por alienígenas, mutações da flora e fauna endémicas, e sem quaisquer sinais  de civilização humana recente. John segue um plano que lhe é revelado em  sonhos, sem saber qual é o resultado que o espera. À medida que a narrativa progride conhecemos novas personagens, versões diferentes de John, que revelam muito lentamente como chegámos ao momento no início do livro e preparam-nos para o que aí vem.
O ponto forte do livro é o seu ambiente. A narração é feita na terceira pessoa e os diálogos são mínimos, há uma ecologia muito própria, pequenos pormenores são divulgados em relação às criaturas que existem nesta nova Terra sem se recorrer a uma descrição pura e dura. É tudo muito fluido e orgânico.
Se John é a personagem com a qual naturalmente nos identificamos num mundo de aberrações e criaturas fantásticas e culturalmente diferentes, como John descobre da pior forma ao intervir numa cerimónia de sucessão, é difícil para um leitor humano aceitar confortavelmente determinadas situações. Falo especificamente da sua interacção sexual com um(a?) alienígena (longe da imagem apelativa das escravas Orion de Star Trek) ou do seu recurso ao canibalismo. A verdade é que John já não se limita à humanidade que conhecemos, tem "melhoramentos".
Para o ambiente da história também contribuem as frequentes vistas panorâmicas que dão uma noção de escala que contextualiza John, o seu esforço e a sua posição naquele mundo. Infelizmente, esse aspecto visual fraqueja na última secção da história (excluo a curta de Emma Rios, pós-história principal). Giannis Milonogiannis é para mim o elo mais fraco nesta estrutura, o seu traço "mangaesco" não me parece ser o mais apropriado para a história que está a ser contada, mas vou ter de me habituar a ele, já que é agora o desenhador regular da série.
Brandon Graham surpreendeu com esta visão de Prophet, longe do anti-herói de Liefeld e do terreno mais que batido do mainstream americano. É uma obra de ficção científica que desabrocha muito lentamente, ao seu ritmo, e com uma personalidade muito própria.