13 de Outubro de 2013

"Watta woil, watta woil."
KRAZY KAT
THE COMIC ART OF GEORGE HERRIMAN
McDonnell, O'Connell & De Havenon
Harry N. Abrams, 2004
224 págs., tetracromia

A 13 de Outubro de 1913 estreia-se Krazy Kat no New York Evening Journal. As personagens principais, um(a) gato(a) e um rato tinham a sua origem na strip anterior do autor, George Herriman, "The Dingbat Family", sobre a vida doméstica de uma família e a sua contenda continuada com os vizinhos do andar de cima (mais tarde a strip veio a ser conhecida como "The Family Upstairs"). Aos poucos, a disputa entre o(a) gato(a) dos Dingbat - apelidado(a) Krazy Kat pelo rato - e o seu rival ganhou autonomia dentro da strip e acabou por ter um espaço autónomo a acompanhar as aventuras dos Dingbat. A progressiva emancipação completou-se exactamente há um século.
A história contada em "Krazy Kat" rapidamente sedimentou-se. Resumindo, Krazy está apaixonado(a) pelo rato Ignatz que não o(a) suporta e para demonstrar o sentimento que nutre pelo(a) gato(a), sempre que pode, arremessa-lhe um tijolo à cabeça, acção que Krazy interpreta como demonstração de amor, Offissa Pupp, último vértice do triângulo amoroso, prende Ignatz para proteger Krazy, de quem gosta.
Durante 31 anos temos, praticamente sempre, uma variação deste cenário. A genialidade de Herriman é nunca se repetir apesar da fórmula e ter introduzido idiossincrasias que fazem de "Krazy Kat" uma obra única: o discurso de Krazy, mistura fonética de dialectos e línguas; os cenários inspirados pelo deserto do Arizona, em constante mudança, transfiguram-se de vinheta para vinheta, à volta das personagens e edifícios.
Herriman é ele próprio uma figura interessante, principalmente devido às suas origens confusas, que o identificam como "mulato" no registo de nascimento, sendo mais tarde declarado "caucasiano" no seu certificado de óbito. De vez em quando surgem estas questões de etnia numa ou outra história de Krazy Kat que ganham logo outra profundidade tendo em conta a ambiguidade étnica do autor. Sem falar do género de Krazy que, propositadamente, nunca chega ser estipulado de forma inequívoca.
"Krazy Kat" é um dos grandes clássicos dos comics americanos e a sua influência estende-se até aos nosso dias, repercutindo-se em autores como Chris Ware (autor da série "Acme Novelty Library" e designer da recente colecção da Fantagraphics - "Krazy & Ignatz" - que colige a obra completa de Herriman) ou Patrick McDonnell, autor da série "Mutts", denunciadamente inspirada por "Krazy Kat", e co-autor do livro que devia ser o tema deste post.
Agora é só poupar os 300 euros para poder ter a edição especial (capa dura, páginas maiores) em 3 volumes publicada pela Fantagraphics!

10 de Outubro de 2013

"I am not my brother."
THE MANHATTAN PROJECTS VOL.1
Jonathan Hickman Nick Pitarra
Image Comics, 2012
144 págs., tetracromia

Hiroshima e Nagasaki são a memória mais marcante do Projecto Manhattan responsável pelo desenvolvimento de armas nucleares durante a Segunda Guerra Mundial. O facto das bombas terem sido lançadas numa altura em que a guerra estava praticamente ganha, aparentemente como demonstração de força e/ou forma de dissuasão de confrontos futuros, diz muito do estado de espírito vivido na altura e é francamente aterrador. A frase que está associada a Oppenheimer, um dos principais contribuidores para o projecto, citada do Bhagavad Gita, possui uma potência que ecoará na eternidade.
Como foi possível o conjunto das mentes mais brilhantes do lado dos Aliados ser capaz de tal destruição e causar tanto sofrimento?
A resposta reside no título desta bd escrita por Jonathan Hickman, "The Manhattan Projects", cuja pluralidade sugere o resto do icebergue escondido.
Sob a tutela do exército americano, um grupo que inclui Oppenheimer, Einstein e Feynman, entre outros, pode desenvolver projectos que ajudarão a manter os Estados Unidos com principal potência mundial. Ao contrário da imagem de virtuosidade registada nos livros de História, estes cientistas são, no sentido tradicional, malucos e raramente bem-intencionados. Aos poucos as suas agendas revelam-se e não auguram nada de bom.
"The Manhattan Projects" é uma bd de ficção científica e aventura que sobressai pelas suas personagens pouco simpáticas mas interessantes, cada uma com voz própria. Há muitos segredos e revelações que levam o leitor a querer saber mais sobre este universo rapidamente em expansão.
A arte de Nick Pitarra faz lembrar Chris Burnham ou Frank Quitely mas mais "bruta" e está complementada de uma forma excepcional pelas cores de Jordie Bellaire que contribui imenso para o ambiente e storytelling, algo raro na bd actual. Aliás, julgo que a impressão da colecção vem até a reforçar o trabalho de Bellaire, tenho a ideia que os números individuais não estão tão bons em termos de cor.
Portanto, mais uma boa aposta da Image Comics que está aos poucos a ganhar um terreno muito importante na publicação de material cujos direitos são exclusivos dos autores.

Um agradecimento, mais uma vez, a André Nóbrega pelo empréstimo do TPB.

9 de Outubro de 2013

DUAS LUAS
André Diniz & Pablo Mayer
Edições Polvo, Outubro 2013
136 págs., P&B
12,90 euros (sem IVA)

Ao poucos descobre-se o que se vai passar no 24º Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Um dos lançamentos anunciados é do livro "Duas Luas" de André Diniz e Pablo Mayer, feito exclusivamente para a publicação pelas Edições Polvo.
André Diniz vai estar presente no evento nos dias 2 e 3 de Novembro por ocasião da exposição "Seis esquinas de inquietação", onde, juntamente com as obras de outros 5 autores brasileiros, se incluem algumas páginas deste novo livro e também do seu livro anterior "Morro da Favela" (também publicado em Portugal, este ano, pela Polvo).
De seguida a nota de imprensa.

"O LIVRO
Nilo, proprietário do Bar do Lourenço (de onde virá o nome?), está interessado em vendê-lo para se poder dedicar mais à sua amada Natali e à filha que está para nascer, fruto do amor de ambos. Mas as coisas não são assim tão lineares e enquanto a venda não se concretiza Nilo terá de enfrentar e resolver uma série de questões, tentando manter sempre a sua integridade imaculada. Bandidos, estranhos sonhos, insónias, mortes, clientes metediços e uma velha prostituta (iniciada na profissão pelo pai de Nilo), são alguns dos ingredientes desta intrigante história saída directamente da imaginação do prolífico André Diniz e habilmente desenhada pelo virtuoso Pablo Mayer.

OS AUTORES
ANDRÉ DINIZ é argumentista e desenhador de Banda Desenhada e autor e ilustrador de livros infanto-juvenis. No Brasil, já ganhou mais de uma dezena de prémios, entre eles o de melhor roteirista, melhor graphic novel, melhor edição de quadrinhos, melhor site de quadrinhos, entre outros. Em 2012 venceu o conceituado prémio HQ MIX, como melhor roteirista nacional, através de “Morro da Favela”, editado em
Portugal pela Polvo, em 2013. Vive em S. Paulo, Brasil. PABLO MAYER, ítalo-brasileiro, é ilustrador e desenhador de Banda Desenhada. Colabora há mais de meia dúzia de anos com ilustrações para jornais, revistas e livros infantis de grande circulação na imprensa brasileira (Folha de São Paulo, Editora Abril, Globo...). Faz também ilustrações para videojogos e publicidade. Publicou a tira Brabos Comics, no jornal ANotícia. Foi um dos autores brasileiros convidados para a versão editada em Portugal de “Morro da Favela”. Hoje, vive com a sua esposa Carolina em Dublin, na Irlanda."

7 de Outubro de 2013

"Each one of these comics has a story"
INKSHOT
Hector Lima, Pablo Casado et al.
Monkeybrain Comics, 2013
268 págs., P&B

A 18 de setembro de 2013 estreou-se, exclusivamente em formato digital, na plataforma online de venda de banda desenhada Comixology, a antologia "Inkshot". Publicada pela Monkeybrain Comics, a antologia reúne 45 histórias curtas, de três a cinco páginas, feitas por 75 “novos” autores que têm a particularidade de terem todos como língua materna a portuguesa. Puxada a brasa, desengane-se o leitor, a antologia é exclusivamente brasileira.
Quando em 2008 Hector Lima se associou a Pablo Casado partilhavam uma ideia: organizar uma antologia de banda desenhada para divulgar autores brasileiros em terras do Tio Sam. Mais, planeavam que esse conjunto de histórias fosse representativo de uma “identidade brasileira”. Seria possível, no meio de tanta diversidade de influências, géneros e estilos, estabelecer uma visão representativa da “bd Brasil”?
“Inkshot” é a tentativa de resposta à pergunta e a melhor possível. Do western (“Black Durango”) à comédia (“Cosmogonia”) ao terror (“Canibal Lunchbox”); do cartoon (“Hapiness2”) ao fotorrealismo (“Lapse”) ao manga (“Running in the Shadows”), temos de tudo um pouco no livro. Há um grande número de autores talentosos que preenchem as páginas do livro e de uma consistência pouco comum em iniciativas do género. Com um espectro tão largo de abordagens, a escolha inteligente pelo preto e branco trouxe uma coesão à obra que seria difícil de outra forma.
O principal problema do livro é relativo à tradução dos textos originais em português para o inglês. A maioria das histórias têm traduções competentes mas há umas cujo inglês é praticamente incompreensível. Se para mim, que não tenho o inglês como primeira língua, esses textos foram de um desconforto extremo (“My life was special” é um dos exemplos que me custou especialmente - ver a segunda vinheta, página 245), nem imagino a reacção dos nativos. As más traduções prejudicaram o que foi contado e relegaram ao esquecimento narrativas imaginativas que mereciam mais. Investir num tradutor profissional para a obra completa teria sido uma boa ideia.
Resumindo, “Inkshot” é uma antologia bem conseguida que apresenta catadupas de talento com algumas falhas que podem dificultar a sua recepção pelo público habituado a ler em inglês.
Pode ser que deste lado do Atlântico também seja possível fazer algo semelhante.

Originalmente publicado aqui.