31 de Janeiro de 2018

"O sonho acabou."
PORTAIS
Octavio Cariello & Pietro Antognioni
Terracota Editora, 2014
124 págs., tetracromia, capa mole


Em 2013, na plataforma brasileira de crowdfunding Catarse, "Portais" apresentou-se como uma ambiciosa história de ficção científica com a promessa de linhas temporais múltiplas e um enredo complexo que iria fazer sentido de tudo. Octavio Cariello encabeçava o projecto como argumentista sendo acompanhado pelos desenhos de Pietro Antognioni, artista que nessa altura eu seguia no DeviantArt - foi o seu traço influenciado pelos artistas da companhia de videojogos Capcom  que me fizeram dar uma vista de olhos em "Portais".
Tinha tudo para dar certo. O vídeo que acompanhava a descrição do projecto era prometedor, dinâmico, aguçava o apetite e, portanto, seduzido, decidi investir no que julgava ser uma aposta segura. Cumpriram-se os prazos e em 2014 "Portais" chega a minha casa em formato físico e espera numa estante 3 anos até ser finalmente lido.

A reacção inicial foi comedida, as personagens foram introduzidas aos poucos, página a página, cada um com o seu nome estranho, de tempos e culturas díspares. O português do Brasil não faz mossa com a aclimatização de décadas de desenhos animados e telenovelas.
O pior é quando o leitor se apercebe que Cariello optou por manter esta abordagem de escassas páginas para cada personagem durante o livro todo. Ou seja, uma página aborda o príncipe renegado, a seguinte o príncipe fugitivo, outra o cowboy, outra a humana contemporânea, etc. - isto com um elenco de mais de meia dúzia. E quando se ultrapassa esse limites das páginas individuais, não são aproveitados esses luxos para explicar melhor as motivações das personagens e são criadas ainda mais dúvidas "misteriosas" que não têm resolução...
Se eu pudesse dizer que organizando essas páginas, criando um arco narrativo para cada personagem, reduziria a desorientação do leitor, estaria a mentir. Algumas personagens têm laivos de personalidade, outras são de cartão molhado pela chuva. As elipses estão longe de intuitivas, há saltos na história e omissões que não fazem sentido nenhum.
Nem falo do enredo principal se tratar da história banal do reunir de desconhecidos para enfrentar um mal maior (algo que assumo, desavergonhadamente, vou usar no futuro). Neste caso trata-se de um mal menor, pois para além de alguma violência gratuita e gore, nunca há uma sensação de ameaça real, já que está tudo fatiado.

Antognioni é o melhor desta bd e nem isso é um elogio. A sua arte estilizada promete mas acaba por perder com as opções narrativas.
A maioria das personagens estão à distância e pouco se aproveita em termos de expressividade e há inúmeras falhas em termos de sequencialidade, acabando por realçar o mecanicismo frio e trôpego da leitura. Não há continuidade.

Sendo picuinhas, a colocação de algumas caixas de texto, a opção de cores diferentes para as falas das diferentes personagens ou línguas, os nomes recheados de consoantes, ajudaram à confusão geral.

Não costumo fazer isto mas a minha reacção à leitura foi tão visceral - pela negativa - que não posso dizer outra coisa: é talvez das piores coisas que li nos últimos anos.
Isto vindo de alguém que ajudou a financiar esta bd. Desilusão o teu nome é "Portais". 

28 de Janeiro de 2018

"Crucifiction!"
FUN
Paolo Bacilieri
Coconino Press, 2014
144 págs., P&B, capa mole


A minha primeira viagem ao estrangeiro como adulto foi a Itália, especificamente a Roma e Florença. Como não podia deixar de ser, eu e dois amigos decidimos ir à procura das lojas de bd mais próximas. A Forbidden Planet de Roma é semelhante às nossas lojas do género, cheia de merchandising e comics americanos. A diferença reside, claro, no material nativo e a Forbidden Planet romana não desiludiu e tinha uma selecção respeitável de autores italianos. Um deles era Paolo Bacilieri. Na loja comprei "More Fun", a sequela do título  que vou discutir neste post.
Foi em Florença que encontrei este livro, numa das La Fetrinelli (mais ou menos o equivalente italiano da Fnac) locais.

"Fun" é sobre o jogo das palavras cruzadas. O livro faz uma revisão dos intervenientes, a importância do jogo em eventos históricos e, surpreendentemente, os seus paralelismos com a arte da banda desenhada.

O que torna chamativo este título é o superficial, ou seja, a arte que encontramos a adornar a capa e interiores. Bacilieri é um desenhador talentoso, tem um estilo próprio pormenorizado e atraente, as suas personagens são facilmente identificáveis, os locais retratados realistas e harmoniosos. Trata-se de um traço realmente bonito. Foi muito pelo desenho que comprei esta bd - já que não sou fluente em italiano.

Relativamente ao enredo, acompanhamos o escritor Pippo Quester, cujo tema do seu último livro é precisamente o mesmo desta bd - é ele que nos introduz ao mundo das palavras cruzadas, desde a sua génese até à Segunda Guerra Mundial (continuaremos a seguir o seu desenvolvimento no segundo volume?). Há ainda outra personagem, Zeno Porno (sim, é mesmo o seu nome), um autor de bd que trabalha para a Disney e que é um admirador admitido de Quester. É maioritariamente através do diálogo entre estas duas personagens que a acção da bd se desenvolve, intercalada de forma regular por episódios da vida de Zeno.

E é aqui que os problemas começam, o enredo principal não é necessariamente entusiasmante e os episódios intercalares não parecem ter muito sentido dentro da narrativa principal. Se a função destes momentos é apaziguar o nervosismo do leitor mais habituado a acção frenética, a verdade é que não cumprem esse objectivo. Estas páginas têm datas (Bacilieri assina e data os capítulos) anteriores às que lidam com a narrativa principal e eu fico com a sensação que são chumaço para a história. Não têm grande interesse e não ressoam os conceitos e emoções. O livro parece uma manta de retalhos de anedotas dissonantes.
(Sem falar nas múltiplas referências - umas subtis, outras menos - à banda desenhada que surgem durante toda a leitura e que, para mim, diluem e confundem o propósito do livro.)

Outra coisa que me deixou "frio" tem a ver com a balonagem e letragem. Apesar do meu italiano algo rudimentar, eu percebo grande parte do que está escrito e vi a minha leitura dificultada por: filacteras mal colocadas e mal identificadas; balões múltiplos ligados cuja sequência não era a mais natural para ser seguida pelo olho; etc., de forma que dei comigo a ler coisas que se referem as personagens e acções diferentes, gerando ainda mais confusão. A letragem é feita à mão, o que para mim é sempre uma mais valia para um livro - dá-lhe identidade - mas neste caso, há momentos em que as palavras não têm espaçamento o suficiente para serem lidas individualmente - talvez tenha a ver com o meu domínio da língua ou a minha pouca familiaridade com o fluir do italiano.

"Fun" é um livro bonito de um autor experiente que me frustrou enquanto leitor, seja pela história que acabou por não me envolver, como por pequenos pormenores em termos de fluidez de leitura (literária ou visual) que me irritaram. Espero que o segundo volume seja mais agradável (e contextualize tudo, especialmente, o subenredo da tentativa de assassinato).

P.s.: Como alternativa à minha leitura, sugiro a análise de Pedro Moura, que é muito mais entusiasta e, provavelmente, mais bem fundamentada.

14 de Janeiro de 2018

"I am nothing."
ZERO, VOL. 1: AN EMERGENGY
Ales Kot et al
Image Comics, 2014
172 págs., tetracromia, capa mole


As pessoas têm o seu Alan Moore ou o seu Grant Morrison como escritores que os surpreendem, confundem e deixam um travo de genialidade difícil de explicar à primeira leitura. Eu tenho o Aleš Kot.

No primeiro volume de "Zero" somos apresentados ao espião que dá nome ao livro, uma espécie de James Bond moderno na linha do que os filmes recentes da franquia nos têm habituado.
O recontar da vida de Edward Zero é feito de forma episódica, com saltos temporais, explorado diferentes missões com as suas diferentes repercussões no nosso protagonista - mentais, emocionais e físicas.
Pelo meio do enredo base, as habituais alucinações inventivas que Kot sabe fazer. E, claro, aquele cliffhanger, o fim que muda o género da narrativa e que nos lança para o desconhecido excitante.

Cada episódio/capítulo tem a peculiaridade de ser ilustrado por um diferente artista (daí o et al que vos informa que eram demasiados nomes para colocar nos créditos e que aqui posso divulgar, sequencialmente, Michael Walsh, Tradd Moore, Mateus Santolouco, Morgan Jeske e Will Tempest) com um estilo que melhor espelha o ambiente e estado de espírito desejado (acho mesmo que foram escolhidos a dedo, já que fazem tanto sentido, cada um no seu capítulo).
Realço o trabalho de Tradd Moore (nos anos 90 seria uma super estrela) e Mateus Santolouco pelo dinamismo e solidez de linha. Não achei nada de particularmente espectacular em Morgan Jeske. Os restantes são, bem, competentes. Em relação às cores, há duas palavras que são sinónimo de qualidade: Jordie Bellaire.


"Zero" não será para todos, especialmente para os perfeccionistas da leitura que querem um conteúdo consistente visualmente e claríssimo numa primeira abordagem. O livro quase que funciona mais como uma antologia de histórias que parecem tenuamente interligadas, mas as batidas que se repetem em cada um dos episódios que culminam naquele fim são inegavelmente um plano, um plano cujo objectivo final só Aleš Kot sabe.

12 de Janeiro de 2018

"I never had a chance."
JUDAS #1 (of 4)
Jeff Loveness & Jakub Rebelka
BOOM! Studios, 2017
24 págs., tetracromia, floppy


Deus tudo é e tudo sabe. Este conceito sempre me fez confusão, se deus sabe o resultado de todas as nossas acções, porque temos de passar pela vida para sermos julgados? Os crentes argumentam que é o que nos diferencia das outras criações, a auto-determinação, mas tendo em conta as características divinas, haverá tal coisa?

Enforcado numa figueira por 30 moedas de prata. O maior traidor da História humana. "Seu Judas!"
Uma das figuras mais reconhecidas da Bíblia, será Judas o menos compreendido?

O primeiro número de "Judas" (escrito por Loveness) explora precisamente estas ideias. A história de Judas não termina com um corpo pendente, há vida para além da morte de um traidor. Há uma missão e é essa missão que fica para descobrir no próximo número.

Já viram aquela capa? O miolo do fascículo é exactamente igual, eye candy puro. Não conhecia o polaco Jakub Rebelka mas está na altura de o acompanhar.

Este primeiro número promete e tendo em conta que tenho subscrição da mini-série de 4 números, em breve (daqui a 4 meses) digo-vos como correu.

8 de Janeiro de 2018

"Just looking for my head."
HEAD LOPPER, VOL. 1: THE ISLAND OR A PLAGUE OF BEASTS
Andrew MacLean & Mike Spicer
Image Comics, 2016
280 págs., tetracromia, capa mole


"Head Lopper é o Conan do século XXI." - disse alguém, algures, posso ter sido eu. Pronto, fui eu.
Andrew MacLean conseguiu, fruto do seu trabalho, trazer o seu éxito independente, financiado no Kickstarter, ao mainstream (há quem alegue que a Image Comics é independente, mas confundem o conteúdo com o continente) do comic americano.

"Head Lopper" é protagonizado por Norgal, um guerreiro  viking hipertrofiado (haverá outro tipo de bárbaro?) que traz na mão mais uma espada desproporcional e às suas costas a cabeça da bruxa azul Agatha, que, miraculosamente e infelizmente para Norgal, está viva e nunca se cala. Norgal explora neste volume a ilha Barra e numa série de pequenas missões faz jus ao seu epíteto: há, efectivamente, inúmeras decapitações e nem é preciso que o oponente esteja vivo ou seja humano.

Não há muito mais a dizer em termo de enredo, são explorados temas muito batidos da fantasia, o passado de Norgal é ignorado de forma exemplar, tocado de forma extremamente superficial. Na verdade, nada é dito sobre como chegou ao lugar da narrativa ou até o significado de andar com a cabeça de uma bruxa atracada a si. 
Julgo ser esse mesmo o propósito de MacLean, divertir-se e aos outros (a Agatha é a pérola deste livro, carismática, de onde deriva a maioria do humor e, incrivelmente, com muito poucos insucessos nessa área) e mostrar que tudo o resto é acessório (não é algo que me seja particularmente atraente, espero que venha desenvolver a personagem no futuro).

Se em termos de escrita o gosto pela a fantasia heróica é clara - é homenagem e algum pastiche -, mais ainda reconhecíveis são as suas influências artísticas.

"MacLean tem um estilo que é uma mistura de Mike Mignola com Michael Avon Oeming" - disse alguém, algures. Desta feita não fui eu. Acho que li no Goodreads, vão à procura, não posso fazer tudo por vós.
Quando vi pela primeira vez a arte de MacLean, o Mignola nele saltou-me logo à vista (evitei habilmente a cegueira), nem pensei no Oeming (não é alguém que admire ou em quem sequer pense. Já o Mignola é tão dreamy...). Há o traço e a colocação dos negros que denunciam a importância do criador de Hellboy na formação artística de MacLean.
O que mais gostei de ver neste volume foi a evolução no desenho que se tornou mais seguro e sólido com o passar dos capítulos, claramente a partir do terceiro, também colorido por MacLean, e ver o autor crescer e criar um estilo seu mas ainda familiar. Suspeito que será um artista bem diferente no fim do próximo volume.

"Head Lopper" é uma leitura irmã de "Rumble". Com os seus protagonistas de parcas palavras, as suas espadas gigantes e  as suas monstruosidades decapitáveis, ocupam o mesmo nicho de formas ligeiramente diferentes. Se houver interesse por um, haverá pelo outro.

5 de Janeiro de 2018

"He's your dad. He'll forgive you."
NIGHT FISHER
R. Kikuo Johnson
Fantagraphics Books, 2005
144 págs., P&B, capa mole


R. Kikuo Johnson é um dos meus ilustradores favoritos. A sua economia de linha (clara), as cores harmoniosas e o subtexto presente nas suas ilustrações para o New Yorker colocam-no, na minha opinião, num patamar superior de excelência.
Antes do seu sucesso no mundo da ilustração, ele vagueava por um terreno mais corriqueiro - o da bd.
"Night Fisher" é a sua primeira média (mais tarde, faria "The Shark King" para a Toon Books de Françoise Mouly, dirigido a um público mais infantil) e é influenciado pela sua vivência enquanto adolescente no Hawaii.

Loren Foster é um jovem de Boston que veio por arrasto com o pai viver na ilha do Maui. Esta oportunidade permitiu aos Fosters terem uma vida melhor: um salário mais avultado para o pai, uma casa enorme com um jardim indomável e permite a Loren frequentar uma escola de reputação. Loren é um excelente aluno, solitário e tranquilo, mas ultimamente as suas questões em relação à importância das coisas está a distanciá-lo dos seus (e dos outros) objectivos. A sua relação instável com Shane - o seu único amigo -, um rebelde transgressor, acaba por fazê-lo envolver-se com um grupo de má índole, experimentar drogas e numa espiral lenta a vida de Loren começa a desenlaçar.

O traço de Johnson é simples e bonito, evidenciado pela escolha do preto e branco, adivinhando-se já o seu talento inegável. Claro que numa primeira obra, há algumas escolhas que ainda revelam alguma inexperiência, especialmente na colocação dos negros e alguma instabilidade e inconsistência de linha.
O enredo em si é apelativo, as minhas dúvidas em relação ao comportamento adolescente baseado em estereótipos de "No Mercy" não se repetem aqui (em retrospectiva poderá ter a ver com identificar a minha experiência mais nesta descrição), as interacções entre as personagens parecem naturais e plausíveis e conseguimos compreender o comportamento de Loren e empatizar com ele. As personagens secundárias não são tão bem desenvolvidas mas apresentam alguma complexidade e mistério (especialmente Shane e o pai de Loren).
Outro realce para o design do livro que é muito bem realizado e chamativo, as ilustrações mais elaboradas que vão ponteando os capítulos são deslumbrantes.

"Night Fisher" é um primeiro livro interessante, um relato realista de um período de tempo de experimentação e conflito, bem feito e esteticamente aprazível ( é bonito, porra!). Uma óptima estreia de R. Kikuo Johnson que me faz suspirar por toda a bd que ele não fez.

3 de Janeiro de 2018

"I never thought out adventure would end here"
NO MERCY, VOL. 1
Alex de Campi, Carla Speed McNeil & Jenn Manley Lee
Image Comics, 2015
120 págs., tetracromia, capa mole


Eu comprei o primeiro número de "No Mercy" em floppy e ainda não tinha lido nada assim. Um grupo de estudantes americanos do secundário foram em visita de estudo a Mataguey com o objectivo de construir uma escola - fica sempre bem num currículo de candidatura ao ensino superior, retorque Lily, a mais vocal das personagens naquelas primeiras páginas.
A interacção dos adolescentes era credível e, se bem que  dependente de alguns estereótipos, engraçada. A história começa a estabelecer no leitor a famosa "falsa sensação de segurança" e depois o status quo é destroçado violenta e brutalmente.
É precisamente nesta brutalidade que reside o ponto mais forte da história, que converte o relato da vivência adolescente num de sobrevivência e relacionamentos humanos em condições de stress extremo: desde o abuso ao preconceito à perda do melhor amigo para uma matilha de coiotes(!).

A minha principal dificuldade foi digerir os emoticons e as referências a uma contemporaneidade que não acredito ser vivida pelos adolescentes como é retratada nesta bd. Há alguns problemas também com o ritmo da narrativa, que não parece fluir tão bem como devia, penso que poderia melhorar se fosse possível intercalar o tempo presente com a história pregressa das personagens (mas suspeito que seja influência do fã de "Lost" em mim).
Portanto, abordado o trabalho de Alex de Campi, passo agora a Carla Speed McNeil que, sendo muito sincero, sei ser melhor desenhadora. Não há uma consistência de estilo de traço e, mais notoriamente, de proporções. É pena, porque o seu trabalho no seu projeto pessoal - "Finder" - está a léguas em termos de qualidade e "No Mercy" perde também um pouco pelo seu aspecto pouco trabalhado e tentativamente redimido pelas cores de Jenn Manley Lee.
Há, no entanto, momentos de grande eficácia narrativa, especificamente os que dependem do contraste entre as duas realidades do livro (p.e., as memórias de infância de Tiffani invadidas pelas varejeira do presente).

Resumindo, "No Mercy" desiludiu-me, especialmente após a promessa daquele primeiro número dos fascículos que praticamente me obrigou a comprar este primeiro volume.
Não é, seguramente, um "Teen Lost", mas também não tem de ser.

2 de Janeiro de 2018

"What variety of emptiness is this?"
RUMBLE, VOL. 1: WHAT COLOR OF DARKNESS
John Arcudi, James Harren & Dave Stewart
Image Comics, 2015
144 págs., tetracromia, capa mole


A colaboração prévia de Arcudi e Harren em B.P.R.D. é o perfeito prelúdio para Rumble.
O universo periférico do Hellboy de Mike Mignola, repleto de monstros e acção é, em si, muito semelhante ao que decorre neste primeiro volume, só há que fazer a substituição da melancolia mignoliana por um entusiasmo explosivo.

Rathraq é um guerreiro da antiguidade, responsabilizado por proteger o processo natural de transição do domínio da Terra. Ele fá-lo como o sabe fazer: munido de uma espada desproporcionalmente grande e com o seu fiel companheiro canino combate agressivamente os antagonistas da mudança. Eventualmente é traído, capturado e agrilhoado, sentenciado erradamente a milénios de prisão.
Fast forward para os tempos modernos e conhecemos Bobby, um zé que trabalha num bar, cuja mediocridade é das suas principais características, entre não ter ambição ou sorte no amor. Bobby vê-se de repente envolvido numa série de eventos que nada têm a ver com o seu quotidiano urbano e é projectado para uma existência onde demónios, espantalhos falantes e até uma miúda gira e inteligente fazem parte do seu dia-a-dia.

A sensação que tiro de uma primeira leitura de Rumble é que James Harren é um dínamo. A arte hipercinética, exagerada e pormenorizada traz uma energia que já não é tão comum na bd de acção actual - caracterizada por um realismo fotográfico sonolento.
John Arcudi parece - parece - estar em segundo plano, a refrear Harren, a diminuir o ritmo da bd tempo suficiente para contar uma história. Afinal já são anos disto, de contar épicos com personagens impossíveis e monstruosidades apocalípticas.

Sendo assim, não esperem revelações capazes de mudar a vossa perspectiva sobre a vida, não é sobre isso que Rumble se debruça. Contudo, se quiserem algo divertido, movimentado e francamente (horrivelmente será o advérbio mais correcto) bonito, Rumble é para vós.