30 de Outubro de 2012

"I know."
Hän Solo
Rui Lacas
Edições Polvo, 2012
64 págs., monocromia

Quem se atrever, seja qual for a área de discussão, a falar bem ou mal de autores portugueses corre o risco de entrar em polémicas. Pode ser vítima de acusações de pertença a uma de duas correntes "filosóficas" antagónicas, o "nacional porreirismo" e o "bota-abaixo".
Confesso que antes de começar a minha leitura já tinha as minhas reservas em relação a este livro. A minha namorada, pessoa cuja opinião muito prezo, e usando as suas palavras, "não recomenda" este livro, aparentemente, a ninguém. Para quem se sentir ofendido pela sua opinião e sentir necessidade de algum tipo de justificação posso dizer que a leitura desta bd veio na sequência de outra leitura que lhe foi bem mais feliz ("O amor infinito que te tenho e outras histórias", de Paulo Monteiro), substancialmente diferente na sua composição e temas. Por outro lado, este livro foi nomeado para as categorias de melhor álbum, argumento e desenho nos prémios do FIBDA.
A leitura de Hän Solo trata-se então de uma questão de gestão de expectativas.
A obra de Rui Lacas tem uma amplitude incomum, vai de um realismo com elementos do fantástico ("A filha do Caranguejo" ou o mais recente "A Ermida", como exemplos) ao enredo típico de comic book americano (até agora 2 volumes de "Asteroid Fighters"), e, claro, de lembrar sempre, ter sido capaz, algo embaraçosamente para os nossos editores nacionais, de publicar o seu "Merci Patron" em França antes do seu homólogo português. Este  Hän Solo insere-se no grupo de histórias mais intimistas de base realista.
Regressando à questão das expectativas, fiz bem em mantê-las baixas, pois embora Lacas já nos tenha habituado a um traço cuidado e a uma boa composição de páginas, estas não redimem o que é uma história inconsequente. É uma narrativa pouco orientada, os eventos parecem suceder-se porque sim, e se para a personagem com quem Hän disputa um jogo de bilhar esta é a realidade com que lidamos e, como tal, um conjunto de frases feitas é o suficiente para a aceitarmos, para mim não. As personagens secundárias não estão bem desenvolvidas, a interpretação das suas acções foi deixada ao discernimento do leitor que tem uma elipse difícil pela frente. Se se tratasse de um relato autobiográfico compreender-se-ia esta perspectiva unilateral mas num registo ficcional é preciso um mínimo indício das motivações das outras personagens.
Outra questão é a representação da doença bipolar que não me parece fidedigna, é pouco explorada e julgo que se o fosse daria outra profundidade ao que foi contado.
Por fim, não há grandes consequências para Hän ou qualquer uma das personagens, o que também não me permitiu como leitor chegar ao fim e sentir uma mudança em mim provocada pela leitura.
A Cerimónia de Entrega dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada realiza-se no dia 3 de Novembro, pelas 18h30,  nos Recreios da Amadora, e eu, espero, vou estar no público. Não é uma ameaça.

22 de Outubro de 2012

Fácies cushingóide.
I WILL BITE YOU! AND OTHER STORIES
Joe Lambert
Secret Acres, 2011
128 págs., tetracromia

Mais um entre muitos dos que se formam anualmente no CCS (Centre for Cartoon Studies), Joe Lambert tem neste livro a sua primeira publicação "a sério". Trata-se de uma colectânea de histórias curtas, umas que já foram publicadas sob a forma de minicomics ou em antologias, outras inéditas e feitas especificamente para aqui, que exploram um imaginário muito próprio povoado por crianças rebeldes, corpos celestes muito humanos, homens das cavernas transcendentes e tartarugas bateristas.
No total, 8 histórias, a maioria com um esquema de cores reduzido (as cores de eleição, amarelo, verde e cinzento), com alguns temas que as ligam tenuemente (a relação entre irmãos, lidar com a frustração, entre outras) e alguma violência gratuita sob as formas mais diversificadas.
O que mais sobressai no trabalho de Lambert é a sua apresentação gráfica acima da média, tudo tem o seu elemento visual representativo, desde as falas do protagonista da história  titular, os sons de brincadeira e da música na história "Mom Said", à batida da tartaruga na versão moderna da fábula de Esopo. A narrativa está em segundo plano e o enfoque é dado à estética, o que pode acontecer quando se está ainda a descobrir o funcionamento da linguagem da bd e como desafiá-la, por exemplo no uso dos balões na história "After School Snacks".
Se noutras leituras digo que fico à espera de algo mais, com Lambert não me posso queixar, lançou no início deste ano um livro com uma narrativa mais sustentada, Annie Sullivan and the Trials of Helen Keller, de 96 páginas, que não deverá desiludir tendo em conta o potencial demonstrado neste I Will Bite You!.
Enquanto não se compra o novo livro, pode-se encontrar mais deste autor na sua página pessoal: www.submarinesubmarine.com.

15 de Outubro de 2012

Vai estudar Relvas!
RASPA KIDS CLUB
Álex Fito
Ediciones Glénat, 2010
120 págs., tetracromia

Uma espécie de maçonaria para miúdos que morreram em circunstâncias trágicas, no Raspa Kids Club só entra a elite das crianças injustiçadas, sendo que a "elite" representa as que foram, de uma forma ou outra, vítimas dos seus pais.
O livro explora o mundo para qual são transportadas essas crianças, um parque de diversões distorcido pela morte. Álex Fito recorre a gags não muito sofisticados para dar-nos a conhecer a mecânica desse novo mundo e as relações que se estabelecem. O seu desenho, pelo contrário, é muito trabalhado na sua simplicidade, quase esquemático, denunciando, porventura, a influência de Chris Ware tanto nas representações do parque como nos pequenos textos que são interlúdio das bds. Em termos de cor, no mundo macabro do clube, as brincadeiras "inocentes" pertencem a um mundo colorido e suave e, no mundo "real", o preto e branco realça a situação infeliz das crianças.
As sequências mais eficazes são as que decorrem no mundo dos vivos, cuja temática é mais séria. Resumindo, nesses momentos da história são relatadas as vidas de cada uma das crianças, Nina com o papel principal, e como estas sofrem devido aos caprichos dos seus pais, sendo-lhes impossibilitada uma infância feliz ou normal, como preferirem. O momento alto, que bem poderia ser de filme de terror pela forma como foi composto (no sentido de composição de página, que embora não seja se calhar o termo mais correcto, não deixa de dar a entender o que quero dizer), vê Nina regressar à realidade dos seus pais no que parece ser um acto de vingança póstuma, quando nos é revelado que o que pretendia era resgatar o seu irmão in utero da mesma vida que viveu.
Se tem realmente momentos interessantes, estes infelizmente são escassos, e, embora tente ser inteligente, esta bd de Álex Fito desiludiu-me, embora bonita não tem substância.

7 de Outubro de 2012

Em ponto grande.
AVENTURAS DE UN OFICINISTA JAPONÉS
José Domingo
Bang ediciones, 2011
120 págs., tetracromia


Há cada vez mais autores de bd influenciados pelos videojogos da sua infância. Para além do exemplo paradigmático de "Scott Pilgrim" temos agora este "Aventuras de un oficinista japonés", de José Domingo, inspirado, porventura, nos role-playing games japoneses dos anos 90. Esta bd tem o mesmo tipo de estética e energia que caracteriza esses jogos, para além das suas personagens caricatas e um sentido de humor muito peculiar.
A história narra a saída do trabalho de um salaryman que no caminho para casa vê-se envolvido em situações cada vez mais absurdas e incríveis numa crescente de loucura e imaginação. Um dos episódios mais inusitados é aquele no qual o próprio autor tem que negociar, no seu inferno pessoal (Que outros autores inclui Domingo neste inferno?), com o seu demónio para que este ressuscite o protagonista de forma a poder concluir a sua história.
O desenho simples super deformed e as cores vibrantes distraem-nos da capacidade que Domingo tem de nos surpreender com pequenos sub-enredos à moda de Mortadello y Filémon de Ibañez ou a chicken fat de Elder na MAD que têm repercussões imediatas, de vinheta para vinheta, ou a médio e longo prazo. Estes pequenos brindes ajudam à longevidade de uma obra de leitura rápida.
Resumindo, "Aventuras" é uma bd engraçada e "muito bd" na sua forma de estar, mesmo indo beber a outras fontes como os videojogos, e que já atraiu a atenção da editora Nobrow que acabou de o publicar no Reino Unido.