16 de Fevereiro de 2013

CARTOON COLLEGE
Josh Melrod & Tara Wray
75 min, Documentário, 2012

Em 2009 uma parceria entre a ESAD (Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos) e a Livraria Mundo Fantasma trouxe a Portugal James Sturm para dirigir um workshop intitulado "Exploring Comics" e para falar na conferência "a Life in Comics". Sturm é um autor de bd conhecido pelo seu trabalho como assistente de produção da revista RAW e as suas bds de ficção histórica (exemplo maior a colectânea James Sturm's America: God, Gold, and Golems). Co-fundou em 2004, com Michelle Ollie, o Center for Cartoon Studies, sediado em White River Junction (Vermont, E.U.A.), uma escola para pessoas que querem fazer banda desenhada. O CCS rapidamente destacou-se pelo seu ambiente de grande exigência, pela quantidade de pessoas com qualidade que de lá saíam e pelo corpo docente constituído por alguns dos autores mais importantes da banda desenhada alternativa americana da actualidade.
O documentário indie Cartoon College acompanha vinte alunos no seu percurso para se tornarem cartunistas e inclui entrevistas com nomes sonantes da bd independente americana (Art Spiegelman, Françoise Mouly, Lynda Barry, Chris Ware, Scott McCloud, entre outros) e com pessoas que têm profissões (críticos, donos de lojas, organizadores de exposições, etc.) que gravitam em torno da indústria dos comics, de forma a explorar o que é necessário para ter sucesso nesse meio.
Os autores do documentário já revelaram que o mesmo estará disponível ao público europeu este ano, agora só resta saber quando e como.

Cartoon College Trailer de Cartoon College Movie no Vimeo.

13 de Fevereiro de 2013

MEN OF TOMORROW 
GEEKS, GANGSTERS AND THE BIRTH OF THE COMIC BOOK
Gerard Jones
Basic Books, 2005
384 págs., capa mole

A banda desenhada americana está pejada de histórias e mitos que inspiram tanto os leitores e como os futuros autores de bd. Um dos mitos mais conhecidos é o de dois jovens judeus que após múltiplas rejeições conseguem finalmente que a sua personagem seja publicada, alcançado um sucesso difícil de igualar até aos nossos dias. Jerry Siegel e Joe Shuster foram esses dois jovens e a personagem é conhecida entre nós pelo nome de Super-Homem.
Gerard Jones explora neste livro este "mito criacionista", desmitificando-o e, ao mesmo tempo, dá-nos a conhecer toda a periferia desse evento, isso inclui uma narrativa contínua desde os primórdios da indústria até à idade moderna, passando por situações vividas por outros grandes nomes da bd mainstream americana como Will Eisner, Stan Lee, Jack Kirby, Jerry Robinson, Bob Kane, Bill Finger, entre outros.
Cada vez mais actual, especialmente após a recente polémica que envolveu a adaptação cinematográfica de The Avengers, sem falar na batalha que ainda continua entre os herdeiros de Siegel e Shuster e a Warner Bros, a discussão sobre os direitos de autores na banda desenhada é outro grande tema deste livro. Mostra o funcionamento de bastidores e como as escolhas editoriais e financeiras podem suplantar a liberdade criativa. Portanto, muito actual.
Se só por si é uma leitura muito interessante, pela sua forma de escrita acessível e pelo elenco de "personagens", é após a leitura do livro que chegamos às notas de cada capítulo que evidenciam o trabalho hercúleo e de longos anos de pesquisa que sustenta todo o livro.
É um livro invejável pela simplicidade com que consegue recriar o ambiente vivido em cada uma das eras abordadas e, também, pela imparcialidade com que retrata cada um dos intervenientes.

10 de Fevereiro de 2013

"I´m sorry, Dave. I´m afraid I can´t do that."
PROFESSEUR CYCLOPE
AA.VV.
Silicomix/ARTE/Reprodukt, 2013
Formato digital, tetracromia

Seguir blogues de autores de bd traz consigo particularidades: uma negativa é o desejo de actualizações constantes que raramente é satisfeito; uma positiva é saber de projectos futuros antecipadamente, o que nos leva de volta à primeira.
O ano passado, Cyril Pedrosa veio ao FIBDA para nos mostrar a sua bd Portugal, uma semi-autobiografia extremamente bonita que um destes dias vai ter direito a post neste blogue. Hervé Tanquerelle é um dos autores que conheço de uma revista de bd publicada por Les Humanoïdes Associés chamada Lucha Libre , onde se explorava, muitas vezes de forma paródica, a temática da luta livre mexicana; a secção de Tanquerelle era protagonizada por uma criança obcecada pelos seus heróis luchadores e que se metia sempre em sarilhos quando os tentava imitar. Eu seguia o blogue de cada um destes autores já há algum tempo quando, casualmente, reparei em algo que tinham em comum: referências múltiplas a algo que tinha o nome de Professeur Cyclope.
Inspirados pela tradição francófona de revistas de banda desenhada mensais com histórias serializadas, uma fórmula de grande sucesso inclusive em Portugal, e cientes das novas tecnologias de divulgação e reprodução digital, o colectivo editorial Silicomix, no qual se incluem os dois autores em epígrafe e acrescem-se Gwen de Bonneval, Brüno e Fabien Vehlmann, tem a ambição de querer ser uma versão electrónica de revistas como a Pilote, Metal Hurlant ou À Suivre, ou seja, uma revista de bd com uma linha editorial forte ao serviço de uma alternativa excitante e coerente. Mas uma alternativa a quê?
Alternativa a uma crise cada vez mais marcada ao nível da venda das publicações em papel à qual a bd também não escapa. O objectivo é explorar as possibilidades narrativas potenciadas por estas novas formas de leitura e, claro, ter acesso a um número maior de pessoas.
O colectivo associou-se à cadeia televisiva franco-germânica ARTE que, para além de disponibilizar  online e gratuitamente uma versão menos sofisticada de cada número da revista, se coordenou com uma editora alemã, a Reprodukt, que trata do lançamento da edição germânica.
No dia 1 de março teremos acesso à versão final do Professeur Cyclope mas entretanto é possível folhear digitalmente uma demonstração do que esperar. Em relação ao conteúdo, o que se pode concluir da versão preliminar é que há uma grande variedade de estilos, géneros e temas, podendo ir da strip de humor com animais (antropomórficos ou não) até uma espécie de híbrido entre bd e animação (banda animada?) sobre duas colegiais às compras. Há de tudo para todos e pretende alcançar, li algures, um público ado-adulte (os franceses adoram abreviar tudo).
Uma coisa diferente para um público diferente a crescer em número. A ver o que sai desta experiência.
Por fim, deixo-vos com o vídeo promocional da revista, onde de forma humorística se dá conta de como será a interacção com o produto final. 


La question essentielle du Professeur Cyclope de Tangui Jossic no Vimeo.

8 de Fevereiro de 2013

"O silêncio é a pior parte do baile."
O BAILE
Nuno Duarte & Joana Afonso
Kingpin Books, 2012
46 págs., tetracromia


Vou tentar antecipar-me ao que aí vem e anunciar que O Baile é um dos grandes nomeados para os Prémios Nacionais de Banda Desenhada 2013.
O inspector Rui Brás, da PIDE, é incumbido de investigar acontecimentos estranhos na aldeia piscatória de Maré Santa. É necessário acabar com "histórias de gaiatos" que possam perturbar a visita iminente do Papa Paulo VI a Portugal.
À primeira vista trata-se da típica história de zombies que presta descaradamente homenagem aos filmes de terror americanos dos anos 70. Para além de explorar os clichés típicos dos filmes do género, o ponto forte desta bd é sem dúvida a caracterização das personagens, o diálogo plausível, com cada um a soar de forma diferente, e a descrição do ambiente vivido na altura da história.
Esta não é a primeira bd de Nuno Duarte publicada pela Kingpin Books, os dois volumes  d'A Fórmula da Felicidade são sobejamente conhecidos e foram também (novamente com o futurismo) nomeados para os PNBD, mas é a primeira vez que colabora com Joana Afonso. O desenho de Joana Afonso, que em 2011 foi primeiro prémio dos concursos de bd do FIBDA, é mais que competente, tem um estilo próprio e para além da sua capacidade de storytelling (que era já notória na bd  com que venceu o concurso), premeia-nos ainda com cores que ajudam ao ambiente lúgubre da história.
Honestamente, a minha primeira leitura do livro não foi a mais satisfatória, se calhar por ter sido apressada ou por estar à espera de outra coisa, falou-se de PIDE na antecipação do livro e esperava algo mais "adulto" (mas não necessariamente melhor). Contudo, uma segunda leitura trouxe consigo um entendimento diferente. Se inicialmente achava que o ritmo da história e que a "revelação do culpado" podiam ter sido melhores, agora, sem grandes razões a favor, digeri melhor a história.
Embora O Baile seja, maioritariamente, uma "bd-entretenimento", há momentos muito bons que lhe dão uma maior profundidade e estes devem-se principalmente à preocupação por criar personagens tridimensionais que se preocupam com o seu passado e futuro.
Agora é só ver se tenho razão em relação às nomeações...

6 de Fevereiro de 2013

MORRO DA FAVELA
André Diniz
Edições Polvo, 2013
128 págs., P&B
15,90 euros (sem IVA)

A partir desta semana está disponível nas livrarias a bd Morro da Favela. Escrita e desenhada por André Diniz,  retrata as memórias do fotógrafo autodidacta Maurício Hora, nascido e criado na primeira favela brasileira - o Morro da Providência.
A edição portuguesa está a cargo das Edições Polvo, inclui o texto original revisto e ainda outras perspectivas sobre o Morro da Favela por diversos autores brasileiros de histórias em quadrinhos.

  

4 de Fevereiro de 2013

"Yo, que detesto las simetrias, seria feliz viviendo aquí."
BUÑUEL EN EL LABERINTO DE LAS TORTUGAS
Fermín Solís
Astiberri Ediciones, 2009
125 págs., P&B

Luís Buñuel é um dos mais conhecidos surrealistas e cineastas do século XX e, como outros da sua geração, a sua figura está envolvida numa mística difícil de ultrapassar.
Em 1932, desencantado com o movimento surrealista e frustrado por ser constantemente mal interpretado, decide fazer um documentário sobre as condições de vida em Las Hurdes, uma região da Estremadura Espanhola.
Esta bd de Fermín Solís acompanha o percurso de Buñuel do planeamento à concretização do documentário. Solís aproveita este momento relativamente curto da vida de Buñuel para explorar as suas motivações e inspirações e, através do recurso a sonhos e alucinações, permite-nos também ter uma noção da sua biografia restante.
O enredo é algo linear, seguimos Buñuel e a sua equipa na rodagem do documentário e, como eles, somos confrontados com a extrema pobreza dos hurdanos, mas, ao contrário do leitor, Buñuel, filho de famílias ricas e de reputação boémia, revela uma compreensão perfeita da situação. Esta discrepância entre atitudes dificulta simpatizar com a personagem principal, até que ponto esta compreensão não é ilusão dele? Mais, é com este mesmo à-vontade e naturalidade que enfrenta, nos sonhos e alucinações já referidos, arquétipos poderosos que fariam estremecer o comum dos mortais. Portanto, se calhar não é uma personagem com quem seja possível simpatizar, no significado etimológico da palavra.
O desenho de Solís é competente e faz lembrar o traço de Christophe Blain mas fica a perder com esta comparação. A opção pelo preto e branco pode querer espelhar a película de Buñuel mas, fica a sugestão, se se tivesse escolhido o uso de cores (em Paris) intercalado com o preto e branco (nas Hurdes) ajudaria a criar maior contraste visual e temático.
Resumindo, Buñuel en el laberinto de las tortugas aproveita um momento específico na vida de Buñuel para interpretá-lo como personagem na sua própria vida. É uma leitura rápida que, sinceramente, não teve muito impacto em mim como leitor. Contudo, atiça a curiosidade em relação à figura de Buñuel e à sua obra e, neste sentido, é muito eficaz.
Já agora, o título do livro refere-se às ruas que muitas vezes não davam a lado nenhum, como um labirinto, e às casas da aldeia retratada no documentário, cujos telhados faziam lembrar carapaças de tartarugas.